3.1.06

Visita de Dom Ximenes Belo à Universidade de Aveiro

Visita de Dom Ximenes Belo à Universidade de Aveiro
Ângelo Ferreira (Presidente da A.A.U.Av)
Miguel Oliveira (Responsável pela visita)


Timor, um pouco de história...

É geralmente aceite que o descobrimento de Timor pelos Portugueses se efectuou entre 1512 e 1520, possivelmente em resultado de uma das muitas viagens dos navios Portugueses por aquelas paragens. Na altura Timor encontrava-se dividido em dois grandes Reinos, o de Sambay, ou confederação do Servião (Oeste), correspondendo mais ou menos ao actual Timor Indonésio, e o de Behale, ou confederação dos Belos (Timor Leste), onde já se utilizava o tétum como língua veicular.
A colonização portuguesa teve início em meados do século XVI aquando da chegada dos missionários dominicanos e comerciantes que procuravam naquelas paragens as muito pretendidas especiarias.
No final do século têm início as lutas com os Holandeses, que disputavam a posse das ilhas das Flores, Solor e ainda Timor. A assinatura de um tratado de paz em 1641 não impediu que a guerra prosseguisse no arquipélago. A assinatura de um acordo em Lisboa (1661) formalizou a ocupação da parte ocidental da ilha de Timor pelos Holandeses.
Entre o reacender de problemas com a Holanda e algumas cedências de parte a parte, Macau e Timor passaram a constituir um governo independente da Índia, ficando Timor subordinado a Macau como seu distrito. Em 1896 Timor fica independente de Macau, constituindo-se como distrito autónomo e tendo como primeiro Governador Celestino da Silva, homem que desenvolveu uma conseguida campanha de pacificação em todo o território.
Timor sofre, durante a Segunda Grande Guerra, com as invasões de Holandeses e Australianos e mais tarde dos Japoneses, mais um retrocesso no clima de paz que parecia instaurar-se. Só após a vitória dos Aliados, em 13 de Setembro de 1945, se restaurou a soberania plena de Portugal, acabando com três longos anos de sofrimento e morte.
Trinta anos depois, com a Revolução dos Cravos e o fim do Império Colonial, deu-se início a mais uma trágica etapa da história do povo Maubere. A indefinição política em Portugal, com tendência para um regime marxista, e a indefinição política em Timor, com diferentes correntes de opinião preconizadas quer pela FRETILIN, quer pela UDT ou ainda pela APODETI levaram a uma instabilidade quanto ao futuro de Timor Leste. O medo da ligação a um Portugal Comunista, por parte da UDT (União Democrática Timorense), que antes advogara uma descolonização progressiva mantendo laços com a metrópole, mas que passava a defender princípios independentistas, e mais tarde de integração na Indonésia; a acção independentista e radical da FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente), de tendência comunista; a defesa da integração total na Indonésia por parte da APODETI (Associação Popular Democrática Timorense) constituíram as três grandes condicionantes políticas para uma possível invasão da Indonésia que temia uma influência comunista na região.
Entre algumas declarações de distanciamento preconizadas por membros do governo português de então, bastante contestadas pela UDT e pela FRETILIN, e outras tristezas que não interessa referir, o clima de instabilidade aumentou culminando com a proclamação, da UDT, APODETI, KOTA e Partido Trabalhista, da integração na Indonésia (29.Nov.75) e com a invasão da Indonésia a 7 de Dezembro de 1975.
Até aos nossos dias seguiram-se mortes e horas incontáveis de sofrimento...escritas a sangue nas páginas da história que também é nossa.

O que significa Maubere?

Não. Não vamos explicar o real significado da palavra Maubere, que denomina um povo, mas antes concretizar um pouco daquilo que tem sido nos últimos anos o significado concreto da sua existência.
Maubere é sofrimento. Maubere é luto. Maubere é silêncio.
O esquecimento de Portugal e o silêncio imposto pela Indonésia, calando a voz do timorenses com as rajadas das metralhadoras, fizeram o Mundo Ocidental apagar do calendário político a resolução pacífica de autodeterminação que se impunha, com medidas urgentes para a defesa dos Direitos Humanos
Foi sobretudo a partir de cartas e relatórios de religiosas e padres missionários que, a pouco e pouco, algumas notícias conseguiram furar o bloqueio.
Num relatório de um padre missionário publicado em 1982 na revista “Magnificat” dos jesuítas podemos ler a descrição de algumas das atrocidades então cometidas pelos indonésios em Timor:
“(...) No dia 23 de Dezembro de 1978 (...) foram mortas a rajada de metralhadora cerca de 500 pessoas, inclusivamente mulheres grávidas, crianças de todas as idades, adultos e velhos (...) Nós vimos com os nossos próprios olhos o massacre do povo que se rendia: tudo morto, mesmo as mulheres e as crianças, mesmo as mais pequenas...nem as mulheres grávidas foram poupadas: eram abertas à faca. Diante das mães degolavam os nascituros e, a seguir, acabavam por despedaçar as mães. (...) As torturas são de vários tipos, e inacreditáveis: o ferro em brasa, as cadeiras eléctricas, as pontas de cigarro, o arrancar de unhas com alicates, golpes com lâminas (...)”
De facto, a Indonésia, ao deparar-se com tão forte oposição à integração de Timor Leste, mesmo por parte daqueles que no início a tinham defendido, não hesitou em praticar um autêntico genocídio físico e cultural do povo do território.
De cerca de 700.000 habitantes que tinha Timor em 1975, em 1980 a Igreja Católica recenseou apenas 425.000.
Os bombardeamentos indonésios de 1977 a 1979, com napalm e todo o tipo de armas, com o intuito de destruir tudo o que fosse vivo, foram extremamente mortíferos e deram origem a grandes fomes.
Em 1983 já se calculavam cerca de 250.000 mortos de guerra em Timor, número só ultrapassado, na altura, pelo conflito no Camboja.
Perante tantas brutalidades e massacres, o Administrador Apostólico de Díli (Mons. Martinho Lopes) não pôde ficar calado, e denunciou os massacres com cartas enviadas para o exterior e em outros actos, levando as autoridades indonésias a mover influências e exercer pressão sobre o Vaticano para que o mesmo saísse de Timor. Em Maio de 1983 o Vaticano substituiu-o por Mons. Ximenes Belo...

Dom Carlos Ximenes Belo - a Nobreza da simplicidade
Em visita à Universidade de Aveiro - 19.05.97, uma data histórica para Aveiro

Dom Ximenes Belo visitou a Universidade de Aveiro a convite da Associação Académica, onde proferiu uma aula/debate versando o tema “A Igreja em Timor Leste, sensibilização

Carlos Filipe Ximenes Belo, Dom Ximenes Belo como é conhecido, poderia ser mais um timorense dos muitos milhares que dia-a-dia sofrem e vivem oprimidos em Timor Leste. Acontece que Dom Ximenes Belo não é uma pessoa qualquer, é na realidade uma personalidade marcante, quer pela sua luta constante em prol dos Direitos Humanos, quer pela defesa da causa timorense.
Como Homem de paz e missionário que é, D. Ximenes tenta de uma forma clara e simples dar voz àqueles que, por um motivo ou outro, não o possam fazer devido à constante repressão exercida por quem desrespeita totalmente a condição de pessoa humana - os indonésios (seria preciso dizer?).
O grande e esperançado esforço feito pela Associação Académica da Universidade de Aveiro para conseguir trazer a esta Academia tão digna personalidade não foi em vão. A tão ansiada vinda a Aveiro aconteceu, e teve como objectivo central a realização de uma aula/debate intitulada “Acção da Igreja em Timor Leste, formação e sensibilização da juventude para a defesa dos Direitos Humanos”.
Esta iniciativa teve como um dos momentos mais especiais a atribuição a D. Ximenes Belo da humilde distinção de Sócio Honorário da A.A.U.Av., aprovada em Reunião Geral de Alunos de 14 de Maio (data histórica para a Academia de Aveiro) sob proposta da Direcção.
Esta distinção foi mais um passo na consciencialização dos estudantes para a importância da defesa dos Direitos Humanos, da qual D. Ximenes é, no fundo, um símbolo e um referencial. Torna-se urgente, num contexto de uma sociedade cada vez mais competitiva e desumanizada, dar algum contributo à comunidade envolvente, sobretudo aos jovens, no sentido de se criar um espaço maior para a solidariedade.
D. Ximenes, pelo calor que transmitiu, fez lembrar aquelas histórias contadas à lareira pelos avós (que já não temos) que ensinavam a vida com palavras simples mas muito reais mesmo que imaginárias e, sem deixar de lado o mistério, a todos prendiam a atenção. As palavras foram simples, nada imaginárias, e no seu olhar reflectia-se o mistério da morte e do sofrimento dos oprimidos, seus irmãos, nossos irmãos. “Nós queremos ser timorenses! Queremos dizer alguma coisa sobre a nossa terra e demonstrar ao mundo que existimos, que somos um povo e que temos direito de existir! E daí surgem todos os sofrimentos, toda a preocupação da vida!” - desabafou comedido o Nobel da Paz, amordaçado pela imagem de mais uma cruz em Díli - “Quando um jovem sai à rua e grita “Viva Timor Leste!”, é chamado, preso, interrogado, e o mesmo se passa quando grita por Xanana ou pelo Bispo Belo”.
Sempre com uma certa prudência, Dom Ximenes Belo não deixou de reafirmar que a violação dos direitos fundamentais continua a persistir, resumindo que a tarefa da Igreja em Timor-Leste é a de apoiar no dia-a-dia aqueles que sofrem o drama da opressão. Numa região muçulmana a Igreja Católica tem um papel aglutinador em torno de um lema: Timor - uma terra de esperança!
“O meu papel não é político, nem sou eu a determinar o futuro de Timor.”


E nós? O que poderemos fazer?


Fontes:
*”Descolonização de Timor - Missão impossível?”, Mário Lemos Pires
*”Timor Leste: Terra de Esperança”, A. Barbedo de Magalhães
*”Timor Leste / Amanhã em Díli”, José Ramos-Horta

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Notas adicionais:
Este texto foi escrito para o Jornal da Pateira (data?)
Na altura não sabíamos o que sabemos hoje.

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